
O “Estranho Mundo Novo” da Bíblia
Há mais de meio século, o teólogo alemão Karl Barth escreveu sobre o “estranho mundo novo” da Bíblia. Ele insistiu veementemente que a Bíblia era um livro como nenhum outro. Toda expectativa que lançamos sobre a Bíblia é inadequada e equivocada, dizia. Trata-se de um texto que revela o Deus soberano, seu ser e suas ações. O texto não nos bajula e não busca nos agradar. Entramos nesse texto para conhecer a Deus como Ele se revela, e não para buscar verdades, histórias ou lições morais que possamos usar por nossa conta. O que ele insistiu como prioridade máxima foi que não lêssemos a Bíblia a fim de descobrir como introduzir Deus em nossas vidas, como fazê-Lo participar de nossas vidas. Não, abrimos esse livro e descobrimos, página após página, que ele nos desarma, nos surpreende e nos atrai para sua realidade, colocando-nos em participação com Deus nos termos dEle.
Barth ofereceu uma ilustração que ficou famosa (no livro Palavra de Deus e Palavra do Homem). Vou empregar a essência de sua ilustração, mas vou modificá-la um pouco. Imagine um grupo de pessoas num grande armazém. Elas nasceram naquele armazém, cresceram ali e tem ali tudo o que precisam para suprir suas necessidades. Não há saída no edifício, mas há janelas pelas quais as pessoas lá dentro podem olhar para fora. De vez em quando, as pessoas dentro do armazém notam que as pessoas na rua param e olham para cima. Elas falam animadamente, apontando para cima, chamando outras pessoas. Quando as pessoas dentro do armazém olham para cima, tudo que conseguem ver é o teto – o que será que as pessoas lá fora estão olhando? Elas parecem tolas olhando para cima. Por que não olham para onde estão indo? Se não tomarem cuidado, vão tropeçar e cair. Qual é o sentido em parar no caminho, olhar para cima e conversar animadamente? Depois de um tempo, os moradores do armazém concluem que as pessoas estão sendo tolas, e voltam à sua rotina normal, não prestando mais atenção ao estranho comportamento das pessoas na rua.
O que está acontecendo, evidentemente, é que há um avião sobrevoando a área – ou pássaros voando, ou uma formação interessante de nuvens, ou (se for à noite) as estrelas se movendo em suas constelações. As pessoas na rua olham para cima e enxergam o céu e tudo o que há nele. As pessoas dentro do armazém não tem céu acima delas, só um teto.
O que aconteceria se um dia alguém abrisse uma porta no armazém, as pessoas saíssem lá de dentro e deparassem com o imenso céu acima delas e o horizonte sem fim à distância?
Isso, Barth dizia, é o que acontece quando lemos a Bíblia. Entramos nesse estranho mundo novo de Deus, um mundo para o qual nossa própria experiência no armazém não pode e jamais poderia nos preparar. Trata-se de um mundo que se estende sem fim acima e à distância. E muito do seu conteúdo não podemos ver com nossa visão crua.
No entanto, sempre há pessoas ao nosso redor que teimosamente tentam interpretar o mundo de céu aberto e horizonte sem fim em termos do que aprenderam no armazém. Barth reclamava que os pastores e os mestres da Palavra eram os culpados usuais, mas há muitas outras pessoas mais do que dispostas a se juntar a eles. Eles reduziram o mundo biblicamente revelado; domesticaram-no; explicaram-no; mas não se apossaram dele.
O texto acima foi retirado do livro Coma Este Livro, de Eugene H. Peterson, p. 43-44.
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